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Kamala e os saquinhos de cebola

2024-07-31 HaiPress

Kamala Harris participa de evento no gramado sul da Casa Branca,em Washington,DC — Foto: Brendan SMIALOWSKI / AFP

RESUMO

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GERADO EM: 31/07/2024 - 04:30

Reflexões sobre a cebola congelada: uma jornada nostálgica nos anos 2020

Em um relato nostálgico,a autora descreve como os saquinhos de cebola congelada a salvaram nos turbulentos anos 2020,onde a falta de tempo e energia a levou a adotar essa solução prática. A cebola,mesmo sendo essencial na culinária,é descrita como um vegetal arrogante,complicado e místico,enquanto Kamala Harris e memes online traziam alívio. A autora reflete sobre a complexidade da cebola e sua relação simbólica com a vida. A década foi marcada pelo paradoxo entre a dificuldade do mundo e a simplicidade do ato de cozinhar com cebolas pré-cortadas,simbolizando a dualidade e a humanidade de todos.

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Quando,lá para 2060,uma jovem me perguntar como foi viver na extraordinária década de 2020,eu vou suspirar um tantinho e dizer: minha filha,o que me salvou foram os saquinhos de cebola congelada.

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Naquele tempo todo mundo tinha que arranjar uma hora a mais por dia,só para ficar pasmo. Guerras,epidemias,desastres climáticos,crises migratórias,fascismo,falso moralismo,meu amor era o pior vezes mil.

E como conseguir essa hora extra? Eu não podia tirar do trabalho. Eu não ia tirar da leitura. Eu tinha que cuidar de uma planta,de um filho,dedicar-me a essas coisinhas que me faziam humana. Então eu tirei da cebola. Comprava no mercado uns saquinhos de cebola picada e congelada. Trapaça assumida,o refogado do meu feijão não era feito do zero.

Se não me falha a memória,2024 foi um ano especialmente ruim para o picar de cebolas. Ali pelo segundo semestre as notícias melhoraram,e eu só queria ficar vendo os memes da Kamala nas redes. Era catártico,sabe? Ver uma mulher valorizada bilhões de vezes,e não diminuída pelo que é. Muito melhor que o melhor da internet,os bebês aprendendo a andar,o eventual filhote de panda nascendo em cativeiro.

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O saquinho de cebola picada me libertou,e se tornou um cala-boca para a própria cebola,esse vegetal arrogante. Uma cozinheira não gosta de uma cebola,ela atura uma cebola. Pegue numa,e ela já vai soltando a casca pela cozinha,só para a gente ter que limpar depois. Daí é morro abaixo,um tal de sujar faca,tábua,potinho e ficar com mão fedendo. E por que,meu amor,a gente fazia,por que a gente ainda faz? Porque a cebola está podendo. A cebola sabe que é fundamental. Devemos a ela o gosto dos refogados,a consistência das sopas,o toque crocante no arroz com lentilhas,mas só depois da bagunça,do fedor,de literalmente chorar pela coisa.

Vê se essa troca vingativa acontece com uma berinjela. Com um tomate cereja. Com uma maçã,esta fruta tão dócil,questão de comprar e morder. A cebola cria caso até para ser definida. Ela não é um legume. Ela não é um tubérculo. Ela é um bulbo,o que por muito tempo eu creditava às lâmpadas e tulipas. E não satisfeito em ser trabalhoso,cheirar mal e irritar os olhos,o raio do bulbo se dá o direito de ser místico. A cebola é tão cheia de camadas quanto um conto de Borges,a metáfora precisa para o ego. Recorram a Buda,ele vai explicar o ego como camadas sobre camadas,de um jeito que é: somos todos cebola.

Mas é isso,meu amor: 2020 foi a década do saquinho de cebola picada. Eram tempos estranhos,feitos de oposto e excesso. Eu ficava exausta tentando entender o mundo,e não sobrava energia para cortar cebolas. Felicidade era abrir o freezer e encontrar os saquinhos empilhados. Se a minha memória não falha,eu até fechava os olhos em alívio,na hora de jogar os pedacinhos no óleo. A cebola cortadinha se tornou meu luxo,a redentora inversão,do mais complicado ao mais prático dos ingredientes. Nos piores momentos do brabo ano de 2020,eu pensava: mas pelo menos as cebolas estão cortadas. E nos melhores momentos de 2024 era mexer os pedacinhos na panela,e pensar: somos todos cebola,somos todos Kamala.

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